domingo, 29 de janeiro de 2017

Escutar com os olhos:A invenção do educador da primeira infância



Maria Cristina dos Santos¹
Michele Correia Meira²

A Pedagogia para a Primeira Infância está “grávida de si mesma”. Parafraseando Mario Sérgio Cortella, a sensação que temos é que o currículo da Educação Infantil está ansioso para uma concepção que entenda bebês e crianças pequenas como seres potentes e capazes não só no campo das ideias, mas uma prática coerente a esta abordagem.
Pensar numa pedagogia da infância que contemple as especificidades de bebês e crianças visando à autonomia e autoria destes implica contextualizar historicamente a Educação Infantil. Esta completa 81 anos se levarmos em consideração a criação dos Parques Infantis de Mário de Andrade que oferecia uma extensão de atendimento, para além da escola, á crianças maiores cujos pais necessitavam trabalhar.
O atendimento de bebês de zero a três anos era oferecido apenas por entidades filantrópicas. Na década de 50, movimentos sociais passaram a exigir conveniamento do poder público “fato este que impulsionou os movimentos sociais a se organizarem para solicitar a criação de uma rede direta para o atendimento da população de creche” (FRANCO, 2009, p.32) o que ocorreu apenas em 1966 com a ampliação dos convênios por meio de uma programação específica na Secretaria de Bem Estar Social. Com a intensificação destes movimentos, na década de 1970 ampliou-se a construção de prédios da rede direta - neste período, sob a competência da Secretaria de Assistência Social (SAS), em caráter assistencialista. Os profissionais eram leigos (não possuíam graduação) e agiam por instinto ou levando em consideração sua experiência com os filhos. Tendo como foco higiene, saúde e alimentação.
Com a promulgação da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – 1996), creches e pré-escolas passaram a ser entendidas como a primeira etapa da Educação Básica. E com isso,a chegada dos professores exigiu práticas pedagógicas sistematizadas. Como a literatura da época para atendimento dessa faixa etária era escassa (apenas bibliografia estrangeira em outras línguas ou oriundas da puericultura e área da saúde) importou-se o que se entendia por educação do Ensino Fundamental adaptando o currículo para a pré-escolarização.
Durante muitas décadas a Educação Infantil (entendendo-se agora como CEI e EMEI na nomenclatura atual de São Paulo) foi praticada de modo a preparar a criança para a alfabetização e na maioria das vezes, a própria alfabetização antecipadamente. E isso ao mesmo tempo em que as mudanças da sociedade implicaram maior tempo dos bebês e crianças nos coletivos escolares e diminuição do tempo para brincar espontaneamente ao ar livre. Ou seja, a exploração de mundo, a pesquisa, os movimentos e interações tão importantes para o desenvolvimento e construção de identidade foram substituídos,tanto na escola quanto nos seus lares, por atividades restritas corporalmente.
Na busca desta nova pedagogia, o Programa Mais Educação São Paulo, por meio do Currículo Integrador das Infâncias vem estabelecer um diálogo com as abordagens de Reggio Emília (Itália) e de Emmi Pikler (Hungria), ressignificando-as de acordo com os diferentes contextos paulistanos. 
Nestes, entende-se as Unidades Educacionais como espaços coletivos “privilegiados”. Como conferimos na Normativa nº1/2013 p. 12:
“Na Educação Infantil as crianças têm direito ao lúdico, à imaginação, à criação, ao acolhimento, à curiosidade, à brincadeira, à democracia, à proteção, à saúde, à liberdade, à confiança, ao respeito, à dignidade, à convivência e à interação com seus pares para a produção de culturas infantis e com os adultos, quando o cuidar e o educar são dimensões presentes e indissociáveis em todos os momentos do cotidiano das unidades educacionais”.
Portanto, exige-se a construção de um novo profissional da Educação Infantil que num processo de co-autoria, atua como observador participativo que “intervém para oferecer, em cada circunstância, os recursos necessários à atividade infantil, de forma a desafiar, promover interações, despertar a curiosidade, mediar conflitos, garantir realizações, experimentos, tentativas, promover acesso à cultura, possibilitando que as crianças construam culturas infantis” (Nornativa 1/2013 p.15).
Neste Currículo Integrador, é Imprescindível observar as crianças em atividade, com pouca ou nenhuma intervenção em determinados momentos, documentar o que se observa (fotografias, vídeos, áudios, registros escritos) construir narrativas coletivas a partir destes registros, repensar os espaços,materiais e planejar as próximas vivências de modo a potencializar as aprendizagens.
“A documentação pode ser entendida como reflexão coletiva sobre a vivência proposta, processo ligado à programação e à avaliação, à experiência, mas dotado de especificidades: a documentação não é o projeto, nem a experiência; é algo além,(...)um processo de reflexão sobre a prática e de formação contínua. (Marques, 2015)
Portanto, a poética de “escutar com os olhos”, além de dar visibilidade ao que acontece na unidade, permite uma flexibilidade no planejamento, reelaboração de vivências, levando em conta os novos saberes dos bebês, crianças e professores.
Ou seja, implica que cada professor se torne um pesquisador, um profissional reflexivo, o fio condutor entre as experiências vividas e uma discussão crítica sobre a prática para a construção desta tão ansiada Pedagogia para a Primeira Infância.


Franco. Dalva de Souza, “As creches na educação paulistana - 2002 a 2012”, Campinas, 2015.
Fochi. Paulo Sérgio, “mas o que os bebês fazem no berçário, hein?”Porto Alegre, 2013.
Marques. Amanda Cristina Teagno Lopes, “A Documentação Pedagógica no Cotidiano da Educação Infantil: Estudo de Caso em Pré-Escolas Públicas”, São Paulo, 2015.
São Paulo (SP). Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. Currículo Integrador da Infância Paulistana. São Paulo: SME/DOT, 2015.
_____________. Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. Orientação normativa nº 01: Avaliação na Educação infantil : Aprimorando os Olhares – Secretaria Municipal de Educação. – São Paulo: SME / DOT, 2014.


1     Maria Cristina dos Santos
Coordenador Pedagógico na EMEI Prof.ªDoraci dos Santos Ramos, Formadora na DIPED DRE-Guaianases Educação Infantil, Coordenadora no Instituto Para além do Cuidar
2
 Michele Correia Meira
Coordenador Pedagógico na CEU EMEF Prof. Dr. Paulo Gomes Cardim, Formadora na DIPED DRE-Guaianases Educação Infantil, Formadora no Instituto Para Além do Cuidar

Publicação: https://drive.google.com/file/d/0B2m1zvd5t_ijcFhtSV96dnNCLVE/view